Em si mesmo

Em si mesmo, viver é uma arte
E na arte de viver
É, simultaneamente, o homem:
O artista e o objeto de sua arte
Assim como: o escritor e a palavra.
Ronye Márcio

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quarta-feira, julho 09, 2014


 
Dorival Caymmi: sintaticamente poético.
 



Ronye Márcio Cruz de Santana[1]
 

RESUMO

O presente artigo tem a finalidade de analisar a poética de Dorival Caymmi pelo viés da gramática no que tange respeito a análise sintática e a fluência simples das orações coordenadas e subordinadas na canção Tão só desencadeando uma imagem simbólica entre o amor e a solidão que são temas recorrentes na poética e na melodia caymmiana.


PALAVRAS-CHAVE:Dorival Caymmi; poética; Análise Sintática.
 

ABSTRACT:

This article aims to analyze the poetic Dorival Caymmi the grammar bias regarding respect for parsing fluent and simple coordinate and subordinate clauses in the song Tão só (So only) triggering a symbolic image between love and loneliness are recurring theme sin the poetry and melody caymmiana.


KEYWORDS: Dorival Caymmi; Poetic; Syntactic Analysis.



1 INTRODUÇÃO
 

Caymmi é um poeta que musicalizou suas poesias com arranjos simples e harmônicos dando uma melodia saudosista e sofredora, por outro lado conseguiu entoar frases, orações ou períodos encadeando sentidos poético por meio de organizações das orações coordenadas e subordinadas e deixando sua poética carregada de analogias pelo objeto referencial que é o mar, por isso é que ao cantar suas músicas percebe-se que têm a sensação de maresia, de frescor da brisa, da marola em seus pés, da sensação agradável de ser carregado pelo infinito do horizonte, todo isso pode ser encontrado na forma melódica que Caymmi conseguiu colocar tanto na sua poética quanto na sua canção.
Outro artifício gramatical que Dorival utiliza muito é o deslocamento de termos acessórios ou expressões que possam dar um sentido amplo ou restrito a sua canção dependendo da intenção que ele quer passar ao ouvinte. As expressões, locuções ou interjeições que existem na música reforça essa ideia de marola, frescor e uma sensação de liberdade.
A poética caymmiana é recheada de frases simples e orações simples alternando-se em coordenadas e subordinadas, no entanto essa cadência dá um sentido amplo referente a sua analogia – que é o mar, mas dá um sentido restrito ao seu discurso poético, cuja letra deixa bem claro a informação que ele deseja dar ao ouvinte, ou ao admirador de sua arte do sentido que está explícito no texto poético.
 

2 A análise sintática como princípio da construção poética na música Tão só de Dorival Caymmi.
 

Para se construir uma obra utilizamos como matéria-prima as palavras e suas relações internas e externas pode agregar novos sentidos dependendo do ponto de vista de cada leitor, e essa polissemia pode se tornar monossêmica a partir do contexto que cada palavra se relaciona entre se dentro do texto.
E essa relação de dependência externa que é a palavra em si ela se restringe na tessitura textual, pois ela se molda a dependência do seu regente ou dominante – seja ela que núcleo for. Já no contexto interno estamos falando das inferências que a palavra adquire no discurso textual e essa inferência pode transformar as suas orações dependendo do contexto correlacional e dependentes entre si.
Essa é uma das razões para que faça um estudo sintático pelo olhar interno e externo da poética caymmiana a desvendar os entrelaços da tessitura poética para Gramática Normativa.

 

Tão só[2]


 

Tão só...
tão só...
tão só...
Sem ninguém
Bem sei que na vida
De mim ninguém tem

Tão só...
tão só...
tão só...
Sem alguém
Pra eu querer bem
E não ficar tão só

Todos têm sorte
E assim o destino
Ajuda em tudo e até no amor
Mas vejo com pena que a mim ele nega
O mais pequeno favor

Tão só...
tão só...
tão só...
Sem alguém
Pra eu querer bem
E não ficar tão só

Tão só...
tão só...
tão só...
Sem ninguém
Bem sei que na vida
De mim ninguém tem

Tão só...
tão só...
tão só...
Sem alguém
Pra eu querer bem
E não ficar tão só
 

A canção Tão só na primeira estrofe é constituída de apenas dois verbos – sei e tem – ambos são classificados como verbos transitivos diretos, sendo que o primeiro é uma Oração Subordinada Substantiva Objetiva Direta em que há um termo acessório deslocado que é – de mim – e que a oração subordinada completa é – que na vida ninguém tem dó de mim–completando assim o sentido do verbo sei e a palavra bem funciona como advérbio intensificando ou ampliando o sentido de saber.
No último verso da primeira estrofe percebe-se que o verbo tem como objeto direto o substantivo completando assim o seu sentido, - ninguém tem dó de mim - por ser uma frase de sentido completa ela classifica-se como uma Oração Coordenada Assindética, contudo complementa o sentido do verbo sei fazendo dela uma subordinada. O que se pode observar em Faraco quando ele diz que “ cada um dos processos permite apresentar a mesma relação sob ângulos levemente diferentes (como dizemos mais tecnicamente, cada processo tem diferentes efeitos de sentido). Assim, (...) o evento-causa precede sintaticamente o evento-seqüência.” (2003, p. 315)
A poética caymmiana é constituída pelo evento-causa e por repetições da expressão– Tão só – que reforça a ideia pelo evento-sequência dando a entender o encontro do homem com as ondas do mar e que seu vai-e-vemdá a impressão de acalmá-lo e, ao mesmo tempo, de acalentá-lo e com suas frases curtas ele consegue através da aliteração – reprodução do fonema nasal como o ão, m e n - reproduzir o som do vento, que por sua vez também é responsável pela formação das ondas.
No entanto, na segunda estrofe vem o evento-sequência reforçando o evento-causa, pois ela completa e esclarece o porquê dele ficar tão só e, ao mesmo tempo, explicar o sentido do último verso da primeira estrofe.
A ordem completa das orações é - (...) na vida, ninguém tem dó de mim pra eu querer bem e não ficar tão só. Partindo dessa formação discursiva tem-se a seguinte classificação: 1 na vida é uma locução adverbial que pode ser deslocada e inserida em algumas posições nas frases. 2 (...) ninguém tem dó de mim é uma coordenada assindética, poie tem sentido completo. 3 (...) pra eu querer bem é uma Oração Subordinada Adverbial Final que segundo Terra (2001) “(...) exprime circunstância de finalidade, entendida como o objetivo, a destinação de um fato. ” (p. 241).
Ao observar a oração pode-se perceber que ela está reduzida no infinitivo, sendo originalmente assim – para que eu queira bem balizando e deixando claro o sentido de uma Or. Sub. Adv. Final, pois aparece a conjunção para que indicando um objetivo que o autor pretende esclarecer ao ouvinte justificando o sentido de que ele tenciona esclarecer no discurso poético.
Já na última classificação que é - e não ficar tão só pode-se perceber também que é uma Oração Subordinada Adverbial Final, apesar da conjunção aditiva (e) ela assume a função de para queem que ela agrega e amplia o sentido da oração anterior justificando o porquê de não estar tão só. A oração desenvolvida é – e para que eu não fique tão só – completando o sentido do verbo tem que por sua vez o evento-seqüência completa a informação do verbo sei que baliza a ideia do evento-causa elucidando a relação de dependência e de coerência discursiva a partir da formação sintática dos versos compostos.
Na terceira estrofe o primeiro verso que é – Todos têm sorte – é uma Oração Coordenada Assindética, pois possui o sentido completo que segundo Terra e Nicola (2009) afirma que as “Orações coordenadas são aquelas que, no período não exercem função sintática umas em relação às outras. Uma oração coordenada, portanto, nunca será termo das outras coordenadas com as quais se relaciona.” (p. 284a). Diante desse conceito pode-se auferir que gramaticalmente as orações não se relacionam, contudo discursivamente uma completa o discurso da outra ampliando o sentido ou especificando-o.
Os versos 2 e 3 da terceira estrofe completam-se e se constituem como sujeito e predicado da mesma oração na seguinte sentença - E assim o destino ajuda em tudo e até no amor – como se vê que o substantivo é – o destino – e o predicado – ajuda em tudo e até no amor–classificando assim em uma Oração Coordenada Sindética Conclusiva, já que a conjunção – e assim – expressa esse sentido conclusivo no discurso e como deixa claro o conceito que Faraco(2003) descreve esse conceito conclusivo ao caracterizar que essas orações “expressam uma relação tal que a segunda sentença é uma conclusão daquilo que foi enunciado na primeira.” (p. 316)Por essa razão é que ela conclui o sentido do primeiro verso – Todos têm sorte – caracterizando como Orações Coordenadas Sindéticas.
Entretanto a sentença – E assim o destino ajuda em tudo e até no amor – é composta por uma outra oração elíptica que é – e até no amor – pois o autor deixou o verbo subtendido na oração para fugir das repetências e da quebra poética discursivo em que originalmente seria assim – e até ajuda no amor – em que a sua nomenclatura é classificada como Oração Coordenada Sindética Aditiva que dá uma ideia de inclusão/adição na informação que o autor se propõe elucidar em sua poética.
O quarto verso – Mas vejo com pena que a mim ele nega– é composto por uma Oração Coordenada Sindética Adversativa, por causa da conjunção – mas – e, ao mesmo tempo por uma Oração Subordinada Adjetiva Explicativa que é – que a mim ele nega –, pois acaba explicando o sentido do substantivo – pena – dentro da ótica do autor-personagem nessa poesia.
Já o verso – O mais pequeno favor – é o Objeto Direto do verbo – nega – em que no seu sentido completo é – que a mim ele nega o mais pequeno favor – transformando essa sentença em uma Oração Subordinada Adjetiva Restritiva, pois Caymmi delimitou o fato de negar ao substantivo favor. Como podemos observar a relação de regência e dependência dependendo do ponto de vista pode mudar um discurso ou uma opinião do ouvinte atento ou não a sua ideologia poética.

 

3 CONCLUSÃO
 

De acordo com a análise acima percebe-se que o discurso poético pode ser constituído por orações e as suas relações deixam claro o papel das palavras dentro da tessitura discursiva, porém as falhas no discurso acabam ocorrendo por falta de compreensão do leitor, por causa da falta de conhecimento das relações entre as frases referentes a sua coordenação e a subordinação e da importância dos termos acessórios para a construção de sentido textual reforçando especificamente o discurso poético ou enumerando as qualidades ou atributos que cada oração se constitui.
A poética caymmiana é recheada de orações simples, no entanto confundo o leitor pelo ponto de vista poético, pois nem sempre ele tem a preparação adequada para compreender o discurso presente na música, já que sua competência linguística é voltada para um discurso regional ou local tornando-o assim inapto para o entendimento da construção sócio-poética de Dorival Caymmi em suas músicas.
Em suma, se o leitor ou ouvinte não tiver uma leitura de mundo ou várias leituras ele não conseguirá compreender as inferências textuais de sua poética, pois sua construção é feita por meio de frases simples, porém bem elaboradas no sentido coordenativo ou subordinativo com prima a Gramática Normativa balizada pelo lirismo poético do seu tempo. É com essa vertente analógica do discurso que Caymmi encanta mundo afora pelo seu lirismo e pela sua genialidade discursiva e poética para a construção de suas melodias e canções.

 
REFERÊNCIAS
 

FARACO, Carlos Alberto. Português: língua e cultura. Curitiba: Base Editora, 2003. (Ensino Médio, volume único).
 
TERRA, Ernani. Minigramática. 8 ed. 7 imp. São Paulo: Scipione, 2001. 

TERRA, Ernani. NICOLA, José de. Português de olho no mundo do trabalho. São Paulo: Scipione, 2004. (Coleção de olho no mundo do trabalho, volume único)



[1]Acadêmico do Curso de Letras. Trabalho apresentado na Disciplina Língua Portuguesa IV orientado pela Prof.ª Ivanete.
[2]Esta canção foi copiada de: Link: http://www.vagalume.com.br/dorival-caymmi/tao-so.html#ixzz34wdPxOk6. Acessado em 17 de junho de 2014 às 22h 05min.

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